Publicado em 17 de março de 2021 por Barroso Advogados

RECUPERAÇÃO JUDICIAL E a desconsideração da personalidade jurídica na justiça do trabalho

A desconsideração da personalidade jurídica é ferramenta de execução amplamente difundida na execução trabalhista. Quando os bens de propriedade da empresa são insuficientes para satisfazer o crédito do Exequente se busca a satisfação por meio dos bens de seus sócios.
No entanto, essa situação ganha novos contornos quando a empresa está em recuperação judicial, afinal, nestes casos o pagamento do crédito segue rito extraordinário, a ser ditado pelo plano de recuperação judicial, estrutura legal específica destinada a garantir que o crédito seja pago de maneira a possibilitar o reestabelecimento da saúde financeira da empresa.
Neste cenário, necessário refletir sobre essa questão, é possível desconsiderar a personalidade jurídica da empresa em recuperação judicial?
A priori é necessário passar por outra discussão relevante, a forma como se dá a desconsideração da personalidade jurídica na seara trabalhista, é sabido que existem duas teorias, a maior, prevista no Código de Processo Civil, que estabelece que a desconsideração apenas se verifica nos casos de fraude dos sócios ou confusão patrimonial, e a menor, prevista no Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo que o mero inadimplemento da obrigação enseja a desconsideração da personalidade jurídica.
Na prática o que se verifica é que a justiça do trabalho aplica amplamente a teoria menor, sendo, por este fato, a considerada pelo presente artigo, inteligência do Art. 28, §5º do CDC:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

  • 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Em continuidade, é necessário destacar que a recuperação judicial, com o fito de possibilitar o reerguimento financeiro da empresa, suspende todas as execuções que ocorram contra ela ou seus sócios, conforme prevê o Art. 6º, inciso II da lei de recuperação e falência, nº 11.101/05:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
Suspensão é uma situação jurídica provisória e temporária, durante a qual o processo (embora pendente, sem deixar de existir) detém o seu curso e entra em vida latente, assim, atos processuais, em regra, não podem ser praticados, como destacado pelo Art. 923 do código de processo civil:
Art. 923. Suspensa a execução, não serão praticados atos processuais, podendo o juiz, entretanto, salvo no caso de arguição de impedimento ou de suspeição, ordenar providências urgentes.
Neste contexto, de rigor destacar que, em não sendo possível a prática de atos processuais, a execução não pode prosseguir, sob pena de transgressão literal da lei, assim, vê-se que a desconsideração da personalidade jurídica, sob o ponto de vista processual, é inviável.
Vozes hão de sustentar que a suspensão não afeta aos codevedores, sendo, portanto, viável a inclusão dos sócios da executada no polo passivo, no entanto, olvida-se que o inciso II acima transcrito é literal ao destacar que a execução também se suspende em face dos sócios, não havendo margem para interpretação.
Outro aspecto a ser levado em conta é que desconsideração da personalidade jurídica no caso em questão carece dos próprios pré-requisitos essenciais da teoria menor.
Como já destacado, a teoria menor se fundamenta na inadimplência da empresa, caso esta ocorra, possibilita-se a desconsideração da personalidade jurídica, no entanto, o deferimento da recuperação judicial não enseja a inadimplência da recuperanda, ora o que ocorre é a prorrogação do pagamento do exequente, que se dará nos moldes do plano de recuperação judicial, de maneira isonômica entre todos os credores.
Portanto, certamente não há inadimplemento pelo mero deferimento da recuperação judicial, em realidade, o que se altera é meramente o modo como o crédito será pago.
Tomando a liberdade de fazer uma analogia, o plano da recuperação judicial para o credor nada mais é do que uma forma de pagamento diversa da convencional prevista pela legislação, como também o é parcelamento do Art. 916 do CPC, amplamente difundido da seara trabalhista.
Neste diapasão, em hipótese alguma se vislumbra viável o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em meio ao parcelamento previsto no CPC, quando este é cumprido corretamente, da mesma forma é com a recuperação judicial, se a lei faculta forma alternativa de pagamento, não existem fundamentos capazes de afastar a recuperação judicial e ensejar a desconsideração da personalidade jurídica.
Ainda, na recuperação judicial o não adimplemento sequer decorre da vontade da empresa, vez que esta resta impossibilitada de realizar pagamentos fora do plano de recuperação, sob pena de incidir em fraude.
Cumpre ainda destacar que a execução por fora da recuperação judicial fere a isonomia entre os credores, pregada pelo sistema jurídico nacional, vez que certo credor pode ter seu crédito satisfeito de maneira mais célere, enquanto seus pares se veem desamparados pela falta de recursos anteriormente previstos.
No mais, essencial destacar que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação de adversidades econômicas vividas pela empresa, que gera empregos e benefícios para a sociedade, assim, a desconsideração da empresa em recuperação judicial olvida o intuito do legislador, onerando os sócios e inviabilizando que destinem seus bens e trabalho a garantir o reerguimento da empresa.
Desta forma, resta impossibilitada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em recuperação judicial pela simples inadimplência, uma vez que o processo resta suspenso nas formas da lei quando do deferimento, bem como por não ser possível considerar a inadimplência da reclamada pelo mero deferimento da recuperação judicial, pré-requisito essencial da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.
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