Publicado em 17 de agosto de 2023 por Suporte Agencia

FALHA TÉCNICA EM OITIVA DE TESTEMUNHA PODE TORNAR SENTENÇA NULA, DIZ TST.

Impossibilidade técnica de oitiva de testemunha em audiência no 1º Grau gera cerceamento de defesa e torna nula a sentença.

Para aqueles que atuam nas audiências trabalhistas virtuais já são familiares as dificuldades técnicas que advém do uso de instrumentos telemáticos para a comunicação à distância, inconsistências no programa de teleconferência utilizado, falhas nos sistemas de transmissão ou recepção de voz, problemas com a intermitência ou perda de sinal com a rede de internet são alguns dos muitos problemas enfrentados em audiências virtuais.

Antes da Covid-19 a adoção de audiências virtuais no âmbito trabalhista era muito criticada, entretanto, a pandemia impôs a todos uma nova realidade, forçando que saíssemos de casa o mínimo possível. Assim como o resto do mundo, as audiências trabalhistas tiveram que se adequar, passando a adotar a videoconferência como meio válido para sua realização, inicialmente apenas para as audiências iniciais e de conciliação, e posteriormente, com o perdurar da pandemia, também para as audiencias de instrução e unas.

Se por um lado a videoconferência possibilitou a continuidade das audiências durante o período pandêmico e de certa forma dinamizou e flexibilizou o trabalho dos advogados, juízes e servidores, também é verdade que trouxe mais incerteza aos depoimentos e fomentou atitudes que configuram má-fé processual e, possivelmente, crimes contra a administração judiciaria, notadamente em relação as testemunhas.

Ainda que à primeira vista os depoimentos das testemunhas pareçam semelhantes tanto presencialmente como a distância, é certo que, estando a testemunha longe da sala de audiências e longe da presença física do juiz e da parte contrária, há mais brechas para depoimentos inverídicos e maliciosos, posto que o ambiente em que a testemunha se encontra não é totalmente controlado.

Da mesma forma, o uso impreterível de aparelhos telemático (celulares/notebooks), também dificulta o controle do depoimento das testemunhas, seja pela frequência com que ocorrem inconsistências técnicas, seja pela facilidade com que tais aparelhos permitem a influência de terceiros ao conteúdo do depoimento.

Logo, não são infundadas as ressalvas que são feitas as audiências virtuais, notadamente as que envolvem oitiva de partes e testemunhas.

No final de julho foi proferida decisão no âmbito do TST que enfrenta justamente as problemáticas da audiência virtual, no caso em espécie as dificuldades telemáticas foram a causa fulcral da anulação da sentença determinada pelo TST.

Trata-se da Ação Rescisória, nº 9172-89.2021.5.15.0000, em que a Autora, Reclamante na decisão rescindenda, pretende a nulidade da sentença por não ter podido ouvir suas testemunhas em audiência virtual devido a problemas de conexão a sala de audiência virtual, da Ata de audiência assim constou:

“A reclamante pretende ouvir mais duas testemunhas, Juliana ou Fabiana.

Registra-se que a testemunha Juliana estava na sala de espera virtual, quando foi desconectada, sendo que não retornou e que a testemunha Fabiana não adentrou à sala de audiência em momento algum e no início dos depoimentos, não foi informado ao Juízo que referida testemunha seria ouvida, razão pela qual preclusa a oportunidade de oitiva dessas testemunhas. Protestos do patrono da autora.”

Também constou do processo matriz que a Reclamante apresentou carta-convite a ambas as testemunhas, documento não impugnado pela parte contrária.

A Ação Rescisória foi julgada improcedente pelo TRT da 15ª Região, interposto Recurso Ordinário pela autora ao TST, os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho de forma unânime, com relatoria do Ministro Dr. Evandro Valadão, conheceram parcialmente do Recurso Ordinário e deram provimento a ação rescisória.

A SDI-2 considerou que resta devidamente comprovado que ambas as testemunhas compareceram em juízo para depor, seja por conta das cartas-convite, seja pelo teor da ata de audiência, que assinala que uma delas ingressou na sala virtual.

Logo, interpretou a turma que a debate era sobre a constitucionalidade do indeferimento da oitiva das testemunhas e da não redesignação da audiência no processo matriz.

O acórdão aponta que houve nítida transgressão do art. 5º, XXXV e LV, da CRFB:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Destacou-se no Acórdão que houve protesto da parte autora quanto a oitiva das testemunhas, bem como ressaltou que a audiência pode ser remarcada por motivo de força maior, nos termos do Art. 849 da CLT:

Art. 849 – A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação.

Entendeu o julgador que a situação em apreço configura força maior e se assemelha a quando uma testemunha que aguarda ser chamada na sala de espera tem alguma condição médica súbita que a obriga a deixar o fórum, não olvidando que resta equiparada o depoimento colhido de forma presencial ao colhido de forma virtual, inteligência da Resolução nº 354/2020, art. 2º, II.

A decisão ainda destaca que a parte autora fez tudo que estava ao seu alcance, requerendo a oitiva de testemunha e realizando protestos, de forma que a testemunha é apenas intimada ou convidada pela parte, sendo que incumbe ao juízo a condução coercitiva da testemunha ou inquirição por meio de oficial de justiça, aduzindo que a prova pertence aos autos e não a parte.

Por derradeiro asseverou a decisão que a sentença rescindenda fundamentou as razões da improcedência na prova oral produzida, de forma que a autora da ação matriz foi claramente prejudicada ao ter a oitiva de suas testemunhas indeferida.

Ante a compreensão de que o Indeferimento da oitiva fere dispositivo constitucional, a decisão foi unânime ao julgar procedente a ação rescisória para anular a sentença da ação rescindenda e determinando a abertura da instrução para oitiva das testemunhas da Reclamante.

A decisão analisada nos mostra como uma questão aparentemente simples como uma incontinência temporária de rede pode causar um enorme prejuízo aos litigantes e ao próprio judiciário, posto que terá de ser feita nova instrução e todas as fases processuais dela decorrentes terão de ser refeitas.

Também se torna perceptível que os princípios constitucionais que intentam garantir a isonomia de partes e o devido processo legal podem sofrer abalos quando os atos processuais fogem ao controle assertivo da jurisdição, não olvidando que a ingerência, muitas vezes indevida, dos magistrados, pode ser tão nociva quanto, como se vislumbra no caso analisado.

Neste diapasão, analisando os riscos e os benefícios da audiência virtual, nos parece latente que a colheita de provas orais deve ser feita de forma presencial, pelo menos até haver mecanismos virtuais que permitam um controle mais assertiva da produção da prova oral, sendo que parece ser esse o entendimento do judiciário como um todo, como aponta o Art. 4º da Resolução Nº 481 do CNJ, de 22/11/2022:

“Art. 4º O art. 3º da Resolução CNJ n. 354/2020 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 3º As audiências só poderão ser realizadas na forma telepresencial a pedido da parte, ressalvado o disposto no § 1º, bem como nos incisos I a IV do § 2º do art. 185 do CPP, cabendo ao juiz decidir pela conveniência de sua realização no modo presencial. Em qualquer das hipóteses, o juiz deve estar presente na unidade judiciária.”

No mesmo sentido parece apontar a própria prática forense, uma vez que cada vez menos se vislumbram audiências de instrução realizadas de forma totalmente virtual, ainda que prevista essa hipótese na resolução acima transcrita.

Dr. Guilherme Fernando de Almeida MoraesAdvogado, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho – EPD-SP, Professor Assistente na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Prática em Direito do Trabalho, Sócio da Barroso Advogados Associados.

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