Publicado em 2 de abril de 2024 por Suporte Agencia
NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS PRÓPRIO E A NECESSIDADE DE DOLO PARA O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA
Com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, desde 2019 o Ministério Público vem tipificando o não recolhimento contumaz do ICMS como crime de apropriação indébita, previsto no artigo 2º, II da Lei 8.137/1990.
Com isso, o mero inadimplemento do ICMS por parte do contribuinte considerado de forma contumaz passou a tipificar o crime de apropriação indébita, a qual prevê a pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, além de eventuais agravantes.
Contudo, a definição de “inadimplemento contumaz” não foi especificada pela jurisprudência da corte, cabendo assim a interpretação subjetiva do ente, através do Ministério Público, para fins de tipificação penal do crime de apropriação indébita tributária.
No Estado de São Paulo por exemplo, é caracterizado o inadimplemento contumaz do ICMS a falta de recolhimento do imposto relativamente a 6 (seis) períodos de apuração, consecutivos ou não, nos 12 (doze) meses anteriores ao fiscalizado.
Ou seja, o contribuinte que deixar de recolher por 6 meses o imposto, na interpretação do ente, será tipificado como crime de apropriação indébita nos termos do artigo 2º, II da Lei 8.137/1990, além da jurisprudência do STF.
Não podemos ignorar que os atos dolosos de sonegação fiscal impactam não só em danos ao erário pelo não recolhimento dos tributos aos cofres públicos, como também prejudicam o setor econômico na formação de preços e desencadeia a concorrência desleal em diversos setores.
Contudo, a interpretação da norma penal como forma de coibir a falta de recolhimento do tributo desvirtua a natureza do ato, uma vez que o inadimplemento muitas vezes ocorre por crises econômicas setoriais do contribuinte sem qualquer dolo deste, que vê a necessidade de deixar de recolher o tributo para cumprir demais obrigações visando a função social da empresa, como pagamento dos salários dos seus colaboradores de natureza alimentar.
Assim, a penalização do contribuinte na esfera penal pelo mero inadimplemento tributário extrapola os princípios basilares da proporcionalidade, razoabilidade, livre iniciativa econômica e devido processo legal, e se tornam ferramentas coercitivas do fisco para fins de arrecadação.
Este foi o entendimento recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ao analisar o caso ponderou que:
“Percebe-se, então, de um lado que não restou comprovada qualquer ordem no que tange à sonegação de impostos. Por outro, a existência de crise financeira com o atraso em pagamentos e a decretação de recuperação judicial tornam verossímeis as versões de que a empresa passava por dificuldade financeiras. No que tange ao dolo, mesmo que de fato os réus tenham a administração contábil da empresa, para adoção da teoria do domínio do fato é necessária que se faça a prova do nexo de causalidade entre a posição ocupada e a prática do delito, o que não ocorreu.” TJSP – Notícia Crime nº 1033549-62.2022.8.26.0050 – 2ª VARA DE CRIMES TRIBUTÁRIOS, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE BENS E VALORES DA CAPITAL.
Tão logo, a interpretação do julgado demonstra que o nexo de causalidade entre o efetivo ato praticado pelo agente que deixa de recolher o tributo por comprovada crise financeira não pode ser tipificado como crime de apropriação indébita, delito este que prescinde da comprovação de dolo para sua ocorrência, qual seja “apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.”
O fisco já detém de diversas ferramentas para cobrança do tributo, seja na esfera administrativa como inscrição do devedor no CADIN, protesto extrajudicial da certidão da dívida ativa, como na esfera judicial pelo rito especial da ação de execução fiscal previsto na Lei 6.830/1980.
Assim, a intepretação extensiva ao disposto no artigo 2º, II da lei 8.137/1990 nos casos de não recolhimento de ICMS próprio, com o fundamento de que tais valores creditados pertencem ao Estado, além de deturpar a regra responsabilização tributária, bem como, o princípio da não-cumulatividade tributária, consiste em suprimento da liberdade humana e penalização criminal pelo mero inadimplemento tributário.
Thiago Santana Lira – Advogado Sócio em Barroso Advogados Associados, MBA em Gestão Tributária, Contencioso e Consultivo Tributário
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