Publicado em 11 de fevereiro de 2021 por Barroso Advogados

A Impenhorabilidade do Bem de Família do fiador em contrato de locação Comercial

A atual jurisprudência pátria posicionou-se recentemente de forma inovadora em relação às constrições de bens do fiador.

O bem de família é instituto que tem como finalidade a manutenção da moradia, direito social constitucionalmente protegido, e da dignidade da pessoa e sua família.

Em regra, o bem de família é impenhorável, como preceitua a Lei nº 8.009/90. Contudo, existem casos excepcionais que permitem o afastamento da impenhorabilidade de bens imóveis com esta caraterística, taxativamente indicadas na referida legislação.

É o caso da indicada penhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação, nos termos do artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF, conforme Tema 295 da repercussão geral.

Ocorre que este dispositivo não faz a devida ressalva ao tipo de locação, de forma que coube à jurisprudência analisar e distinguir entre locação residencial e comercial.

Após julgamentos recentes restou pacífico que, em casos de contratos de locação comercial, o bem de família do fiador não responde pela execução.

Inclusive, em 01 de fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal se posicionou exatamente neste sentido, através do voto da Relatora, Ministra Carmen Lucia, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.296.835.

Resta, portanto, consolidado que não se exige sacrifícios do fiador em detrimento de débitos relacionados à locação comercial, pois seria desproporcional a sanção aplicada ao fiador em comparação ao efetivo devedor do crédito.

Assim, não se afasta a impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação comercial, prevalecendo o direito à moradia em detrimento da relação comercial entre as partes, havida no imóvel locado, e possíveis débitos decorrentes desta negociação.

Para ilustrar, colaciona-se abaixo o julgado do Recurso Extraordinário nº 1.278.427, que diferencia o que permitido pelo julgamento do tema 295, cuja repercussão geral foi definida, recurso este que foi usado como fundamento para o voto da Ministra Carmen Lucia no recente julgamento do RE 1.296.835:

 

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À MORADIA. BEM DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. FIADOR. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Execução por título judicial. Débito locatício. Penhora de imóvel indicado no contrato por fiadores. Cabimento. Incidência do inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90. Recurso improvido” (fl. 2, e-doc. 10). 2. Os recorrentes alegam ter o Tribunal de origem contrariado o inc. III do art. 1º e o art. 6º da Constituição da República. Assinalam que “a controvérsia do presente apelo é exatamente a mesma do Recurso Extraordinário 605.709, ou seja, a impenhorabilidade de bem de família decorrente da não recepção do inciso VII da Lei nº 8.009/1990 pelo art. 6º da Constituição, com redação atual conferida pela Emenda Constitucional nº 90/2015, que manteve a elevação do direito à moradia como um dos direitos sociais” (fl. 2, e-doc. 13). Sustentam que “há apelos admitidos por es[t]a C. Corte, entre os quais se destacada o RE 605.709, cujo julgamento proferido no último 12/06/2018 reafirmou a impenhorabilidade do bem de família em razão de garantia oferecida em contrato de locação de imóvel comercial” (fl. 2, e-doc. 13). Pedem o provimento do “presente recurso extraordinário, declarando-se a nulidade da penhora efetuada sobre o bem de família dos recorrentes, assim como todos os demais atos subsequentes” (fl. 10, e-doc. 13). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica assiste aos recorrentes. 4. Embora este Supremo Tribunal tenha reconhecido ser constitucional a penhorabilidade de bem de família de fiador em contrato de locação (Tema 295 da repercussão geral), esse tema não se aplica à espécie vertente, pois, neste processo, discute-se a penhora de bem de família por fiança em caso de contrato de locação de imóvel comercial. 5. O Tribunal de origem assentou: “O artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90, com a redação conferida pela Lei nº 8.245/91, textualmente permite a penhora de imóvel residencial do fiador no caso de execução fundada em crédito locatício. Note-se que o referido dispositivo não faz distinção quanto à finalidade da locação, o que desautoriza o intérprete a estabelecer diferenciação de tratamento conforme a destinação do imóvel locado. Daí se mostrar irrelevante, na espécie, a particularidade de a fiança ter sido prestada para garantir obrigação decorrente de locação de imóvel comercial. De se registrar, ainda, que significado não apresenta, quanto a tal aspecto, a circunstância de o artigo 6º da Constituição da República dar ‘status’ constitucional ao direito à moradia, eis que disso não decorre ter o imóvel residencial ficado imune à penhora. Aliás, a própria Corte constitucional já assentou que a permissão legal para a penhora de imóvel do fiador não contraria o direito à moradia (RE nº 407.688-SP). Por isso, na espécie não se havia de reputar inválida a penhora do imóvel dos fiadores, máxime por evocação de entendimento que o Supremo Tribunal Federal só manifestou em junho de 2018 ao julgar o RE nº 605.709-SP, isto é, depois que a penhora já havia ocorrido, até porque nem se cuida de julgado submetido à sistemática da repercussão geral. Logo, com razão a Magistrada repeliu a assertiva de que seria impenhorável o imóvel que servia de residência aos recorrentes. Em suma, o recurso não procede, constatação em nada afetada pela abstrata alusão dos agravantes a princípios e a dispositivos legais e constitucionais” (fls. 2-5, e-doc. 10). No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 605.709, Redatora para o acórdão a Ministra Rosa Weber, a Primeira Turma, por maioria, entendeu não ser penhorável o bem de família do fiador no caso de contrato de locação de imóvel comercial. Confira-se a ementa do julgado: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005. INSUBMISSÃO À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. PREMISSAS DISTINTAS DAS VERIFICADAS EM PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE, QUE ABORDARAM GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM LOCAÇÃO RESIDENCIAL. CASO CONCRETO QUE ENVOLVE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO À MORADIA E COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/1990 não recepcionada pela EC n 26/2000. 2. A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia. 3. Premissas fáticas distintivas impedem a submissão do caso concreto, que envolve contrato de locação comercial, às mesmas balizas que orientaram a decisão proferida, por esta Suprema Corte, ao exame do tema n. 295 da repercussão geral, restrita aquela à análise da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação residencial. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido” (DJe 18.2.2019). No mesmo sentido o seguinte julgado da Segunda Turma deste Supremo Tribunal: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. PRECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE n. 1.228.652-AgR, de minha relatoria, DJe 10.12.2019). Confiram-se, ainda, as seguintes decisões monocráticas: Recurso Extraordinário n. 1.271.234, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 23.6.2020; Recurso Extraordinário n. 1.268.112, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 3.6.2020; Recurso Extraordinário n. 352.940, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 9.5.2005; Reclamação n. 35.372-MC, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe 21.6.2019; e Recurso Extraordinário n. 1.223.149, de minha relatoria, DJe 21.8.2019. O julgado recorrido divergiu dessa orientação jurisprudencial. 6. Pelo exposto, dou provimento ao presente recurso extraordinário (al. b do inc. V do art. 932 do Código de Processo Civil e § 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para anular o julgado recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem para decidir como de direito. Publique-se. (STF – RE: 1278427 SP 2265193-80.2019.8.26.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 31/07/2020, Data de Publicação: 05/08/2020)

 

Nesse mesmo sentido vem decidindo o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme ementa de julgamento recente, abaixo descrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. Hipossuficiência não comprovada. Mantido o indeferimento da gratuidade. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LOCAÇÃO COMERCIAL. BEM DE FAMÍLIA. Exegese do artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90. Impossibilidade de penhora de imóvel pertencente a fiador em contrato de locação comercial. Prevalência do direito à moradia. Distinção com o tema 295 da Repercussão Geral. Precedentes dos E. Tribunais Superiores e desta C. Corte. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP – AI: 22229230720208260000 SP 2222923-07.2020.8.26.0000, Relator: Rosangela Telles, Data de Julgamento: 05/11/2020, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/11/2020)

Não se trata de desrespeitar o texto legal contido no artigo 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90, mas de adequá-lo diante do ordenamento jurídico como um todo, respeitando outros preceitos e princípios inclusive constitucionais, de forma que a determinação para afastar a impenhorabilidade do bem de família de fiador é tida apenas nos casos de fiança para contratos de locação residencial.

No caso da fiança prestada em contratos de locação comercial, tal dispositivo não se aplica, em detrimento ao respeito e preponderância da moradia e dignidade humana.

Assim, diante do que é pacífico na atual jurisprudência, pontua-se a impossibilidade de penhoras sobre o bem imóvel com natureza impenhorável de fiador de contrato de locação comercial.

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